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sexta-feira, 12 de junho de 2015

Seguro contra os riscos de catástrofe

Não podemos firmar um contrato de seguros com os habitantes de Marte contra o risco de que estejamos destruindo nosso lar planetário. Mas podemos reduzir os riscos

Assim é, apesar de os líderes do G­7 dizerem apoiar a redução das emissões em 40% a 70% em 2050. E assim é, apesar de uma importante conferência mundial em Paris no fim deste ano ter por objetivo chegar a um acordo universal e juridicamente impositivo, permitindo combater eficazmente as alterações climáticas e impulsionar a transição para sociedades e economias de baixo carbono.

Por que devemos ser céticos? A resposta é que temos ouvido promessas similares ao longo de quase um quarto de século; e apesar disso só vimos aumentos nas emissões e no estoque de gases de efeito estufa na atmosfera. Mesmo que os governos cumpram seus compromissos atuais (algo, em si mesmo, improvável), as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono deverão subir para 700 partes por milhão até o fim do século, contra 280 ppm antes da revolução industrial e cerca de 400 ppm agora. Com 700 ppm, o aumento mediano esperado para a temperatura mundial é de 3,5 ° C.

Manter as emissões no caminho necessário para limitar o aumento da mediana esperada para os recomendados 2 ° C ­ e cumprir os compromissos ­ exigiria uma revolução. Climate Shock, o novo livro de Gernot Wagner, do Environmental Defense Fund, e Martin Weitzman, da Universidade Harvard, explica por que ações são ao mesmo tempo tão difíceis e tão importantes.

O desafio é quase singularmente mundial, singularmente de longo prazo, singularmente irreversível e singularmente incerto. A grande contribuição do livro é sobre este último ponto: a incerteza. A mudança climática é um problema de seguro. Não são resultados medianos que importam, mas os pontos fora da curva ­ as caudas gordas da distribuição de probabilidade das temperaturas.

À medida que crescem as concentrações de gases causadores do efeito estufa, argumentam cientistas, o mesmo acontece com as medianas esperadas para a temperatura e, crucialmente, com a probabilidade de resultados extremos. A 400 ppm, as chances de um aumento 6 ° C são quase nulas. A 550 ppm, as chances são de apenas 3%. Mas a 700 ppm, elas podem superar 10%.

Essa distribuição é, ela própria, incerta, assim como os possíveis custos econômicos. Mas, no caminho que estamos trilhando, temos uma chance significativa de transformar o mundo em algo não visto em dezenas de milhões de anos, com consequências incertas, mas potencialmente devastadoras.

Se você tivesse um risco de 10% de perder a maior parte de sua riqueza, manteria a mesma carteira de investimentos? Para a grande maioria, a resposta seria um sonoro não. Você assumiria um seguro contra tal catástrofe.

Não podemos firmar um contrato de seguros com os habitantes de Marte contra o risco de que estejamos destruindo nosso lar planetário. Mas podemos reduzir os riscos. As incertezas climáticas dizem respeito ao futuro. Isso torna inescapável adotar uma taxa de desconto, para relacionar os custos (e os benefícios) ao longo do tempo.

Então, qual taxa de desconto deveria ser empregada? Sobre isso, Climate Shock coloca outro ponto crucial: não sabemos. Mas, acrescenta, a incerteza sugere que a taxa apropriada é provavelmente muito baixa. Convencionalmente, a taxa de desconto real é de 3% a 4%. Controvertidamente, lord Stern usou 1,4% na desbravadora análise sobre o aquecimento mundial que produziu para o governo britânico em 2006. Os números mais altos baseiam-­se em hipóteses sobre o custo de oportunidade do capital.

O valor mais baixo baseia­-se em suposições sobre o valor das vidas futuras (assumindo, com razão, que sejam semelhantes ao valor de nossa própria vida). Então, qual abordagem é correta? A resposta é: nenhuma. Ambos são excessivamente precisas. Os autores sugerem que o principal indutor de baixas taxas de desconto é a própria incerteza em torno da taxa de desconto correta.

Uma das razões é a incerteza sobre o futuro, independente das mudanças climáticas: nós não sabemos qual é o retorno sobre o capital no decurso de um século. Além disso, a taxa de desconto não pode ser independente do risco de uma mudança climática catastrófica. Talvez as gerações futuras não sejam muito mais ricas do que nós, exatamente por esse motivo. Crucialmente, observam eles, as pessoas atualmente compram títulos com rendimento zero em termos reais.

Elas fazem isso porque querem proteção contra estados catastróficos ou um mundo extremamente incerto ­ talvez um acidente muito pior do que em 2008. Com efeito, agora entendemos que isso explica em larga medida o enigma do prêmio de risco sobre o capital: o fato de que o retorno esperado de investimentos em ações é muitíssimo maior do que o de títulos seguros. Se as pessoas aceitam retornos super baixos como preço de um seguro contra catástrofes, então isso deveria também aplicar ao clima.

Assim, concluem os autores, a taxa de desconto adequada para projetos visando eliminar os riscos de cauda poderia ser muito baixa, talvez até mesmo negativa. Abordar a questão das alterações climáticas como um problema de seguro contra desastres é intelectualmente fecundo. Essa abordagem também fornece a resposta certa aos céticos. A questão não está naquilo que sabemos com certeza. A questão, em vez disso, é em que medida temos (ou podemos ter) certeza que nada de ruim vai acontecer. Tendo em vista o conhecimento científico, que está bem estabelecido, é impossível argumentar que sabemos que os riscos são pequenos. Assim sendo, agir faz sentido.

É a maneira certa de responder à natureza e à escala dos possíveis resultados desfavoráveis. Os autores sugerem que, no mínimo, o que precisamos fazer é impor, sobre as emissões de CO2 , um preço mundial de US$ 40 por tonelada (bem acima do praticado até mesmo no Sistema de Comercialização de Emissões da UE). Agora, porém, o custo real imposto às emissões está mais perto de menos US$ 15 por tonelada, devido aos vastos subsídios à energia de combustíveis fósseis, no valor de US$ 550 bilhões anuais.

Até agora, todas as conferências climáticas têm sido quase shakespearianas ­ histórias contadas por um idiota, cheias de som e fúria desprovidas de sentido. Então, poderia alguma coisa realmente mudar nossa trajetória? É cada vez mais evidente que a resposta tem que ser tecnológica. A humanidade não está disposta e, possivelmente, é simplesmente incapaz de superar os obstáculos políticos, econômicos e sociais a ações coletivas. Os custos, para as gerações atuais, parecem obstáculos quase intransponíveis. Por essa razão, esses custos precisam cair.

(Tradução de Sergio Blum)

Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT

Fonte: CQCS.

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